Padre Zezinho, scj*
“Éramos da mesma família, mas deixamos de ser da mesma Igreja. Conseguimos ver beleza em nossas Igrejas e um na do outro.”
Tive uma irmã que já está com Deus. Como sou católico, não acho que ela está dormindo à espera do último dia. Creio que minha irmã foi salva pela sua bondade e pela misericórdia de Jesus. Nos anos 50, ela deixou o catolicismo para se casar com um metodista. Como ele não mudaria e ela, jovem ainda, amava mais a ele do que à Igreja Católica, optou por ele e aceitou a fé do homem que ela amava. Julgou o amor por ele um bem maior do que a fé na qual fora educada. Milhões de moças fizeram e fazem o mesmo todos os dias. Em menor proporção, os rapazes.
Eu era menino e não entendia bem por que houve
tanto conflito do lado dele e do lado dela. Ele, porque casara com uma
católica, mesmo tendo ela deixado a nossa Igreja. Ela, porque casara com um
evangélico. O tempo mostrou que foi um amor duradouro. Aprendemos todos a nos
respeitar e, tendo eu, seu irmão, optado pelo sacerdócio católico, acho que
passamos muita coisa bonita uns para os outros.
Convicto, mas bom de diálogo − Ele nunca abdicou de suas convicções e nem nós. Mas nem por isso discutimos ou nos agredimos em nome de nossas Igrejas. Íamos lá, nas festas deles e eles vinham cá nas nossas. Ainda acontece. Orávamos por eles e eles, por nós. Conseguimos ver beleza em nossas Igrejas e um na do outro. Ao morrer, minha irmã falava serena de ir ver Jesus, e encontrar nossa mãe. Estive lá poucos instantes antes da sua morte. Respeitosamente eu, padre católico, esperei que chamassem o reverendo Élcio e sua esposa para orarem por minha irmã, que optara por ser da Igreja deles. Eu já orara por ela em vida, a pedido dela mesma. O ritual é tão parecido que não vi muita diferença nas preces.
Aprendizado − Hoje, refletindo sobre o acontecido, vejo que, todos, aprendemos. Na Igreja dela os dois contribuíram para que se respeitasse mais a Igreja Católica, mesmo havendo diferenças. Nós, católicos, também aprendemos muita coisa bonita sobre os evangélicos. Afinal, nem nós nem eles somos hereges colaboradores de satanás. Somos, sim, irmãos que divergem em alguns pontos, mas, no essencial, concordamos: “Deus existe, é Pai, mandou-nos Jesus, que morreu por nós e ressuscitou, está vivo no Pai e um dia voltará”. Enquanto isso, tentamos guardar seus ensinamentos, um dos quais é conviver serenamente com gente que crê, pensa e ora diferente de nós. Jesus soube elogiar até gente que não era dos judeus nem do grupo d’Ele.
Convictos − Gosto muito de ser católico, mas sei admirar quem gosta de ser evangélico. Viajo muito e descubro muitos evangélicos que pensam exatamente como eu penso. O sol não brilha apenas no telhado de nossas Igrejas, e o rio de água pura de Deus não corre apenas no quintal de nossas Igrejas. Além da portas de nossas paróquias, há outros santos, alguns até mais santos do que nós.
Alguns cristãos são podres de orgulho. Acham-se os melhores, os mais puros, os mais eleitos e os únicos herdeiros da verdade mais verdadeira. Eles são luz e os outros são trevas. Viver como minha irmã evangélica, membro de uma Igreja de raiz anglicana, ajudou a ela e a nós. Penso que também a seus filhos, que praticamente todos cresceram serenos, abertos e sem radicalismos. Afinal, nossas Igrejas não são um bicho de sete cabeças. Nenhuma de nós é a besta do apocalipse! Já é um bom começo para quem crê em Jesus Cristo!
*Escritor, compositor e cantor.
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