1. O que é a Quaresma
Nós cristãos
celebramos todo ano a festa da Páscoa: a morte e a ressurreição de Jesus e
tamém a nossa. É a maior de todas as festas. A mais importante... Grande demais
para ser preparada em apenas três dias ou uma semana. Por isso, estendemos a
sua preparação para quarenta dias. Daí Quaresma, período de quarenta dias, que
vai da quarta-feira de cinzas até a quinta-feira santa pela manhã.
Os textos
litúrgicos que rezamos durante o tempo da Quaresma são belíssimos e nos
conduzem ao verdadeiro espírito deste “tempo favorável”. Poderia citar
muitos mas o espaço do artigo não me permite. Cito portanto apenas o
Prefácio da Quaresma V (Missal Romano, pág. 418) como síntese de toda esta
riqueza:
“Na verdade,
é justo e necessário, é nosso dever e salvação louvar-vos, Pai santo, rico em
misericórdia, e bendizer vosso nome, enquanto caminhamos para a Páscoa,
seguindo as pegadas de Jesus Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, mestre e
modelo da humanidade, reconciliada e pacificada no amor.
Vós reabris
para a Igreja, durante a Quaresma, a estrada do Êxodo, para que ela, aos
pés da montanha sagrada, humildemente toma consciência de sua vocação de povo
da aliança. E, celebrando vossos louvores, escute vossa Palavra e experimente
os vossos prodígios.
Por isso,
olhando com alegria esses sinais de salvação, unidos aos anjos e aos santos,
entoamos o vosso louvor, cantando a uma só voz:”
Podemos
encontrar neste Prefácio todos os elementos que caracterizam não só a liturgia
deste Tempo, mas especialmente a sua teologia, a sua espiritualidade e a sua
pastoral. Voltamo-nos para Deus, “Pai Santo, rico em misericórdia”;
relembramos a grande experiência do Êxodo, da Aliança, da libertação e da nova
terra; assumimos nossa atitude de povo peregrino, ouvintes da Palavra, povo
amado e escolhido por Deus; nosso modelo é Cristo, cuja morte e ressurreição
celebramos de forma mais intensa neste tempo. Enfim, a Quaresma é um
“sinal de salvação” ou, numa expressão usada num artigo de Dom Manoel João
Francisco, “sacramento anual de reconciliação”.
É
indispensável que recuperamos também a Quaresma como o tempo ideal de fazer a
preparação final dos catecúmenos que serão batizados, confirmados e receberão a
Eucaristia na Vigília Pascal. O Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos (RICA)
lembra que “o tempo da purificação e iluminação dos catecúmenos é
normalmente a Quaresma. De fato, na liturgia e na catequese, pela comemoração
ou preparação do Batismo e pela penitência, a Quaresma renova a comunidade dos
fiéis juntamente com os catecúmenos e os dispõe para a celebração do mistério
pascal, ao qual os sacramentos de iniciação associam cada um” (Introdução do
RICA, n. 21).
2. Simbolos, ritos, gestos
quaresmais
São vários
os símbolos, as atitudes e iniciativas humanas e religiosas que acompanham e
enriquecem o tempo da Quaresma, no qual, como em toda preparação, já saboreamos
de certa maneira a festa da Páscoa que virá. Por exemplo:
- A cor roxa, as cinzas e a cruz lembram o
caráter de penitência e conversão próprio deste tempo. Isto se manifesta
também no visual do espaço celebrativo, sóbrio, despojado.
- O jejum nos orienta a dar mais atenção à
Palavra de Deus. A fome que sentimos (quando fazemos jejum) pode
simbolizar e evocar a fome que temos da Palavra de Deus. É tempo forte,
portanto, de escuta da Palavra, pois através dela vamos conhecer os
desejos de Deus e praticar a sua vontade.
- Ajudados pela Campanha da Fraternidade,
intensificamos a prática da caridade, procurando corrigir e aperfeiçoar, à
luz da Palavra de Deus, nosso jeito como tratamos as pessoas e com elas
nos relacionamos, sobretudo os mais pobres e sofredores, e como procuramos
ajudá-los a viver com dignidade. Nesta ano de 2010, temos uma
motivação ainda maior por ser uma Campanha da Fraternidade Ecumênica.
- Nesse tempo forte da vida da Igreja intensificamos
nossa vida de oração, na forma de súplicas, pedidos de perdão,
intercessão, agradecimento, compromissos de fé, melhor participação na
comunidade etc. É um tempo próprio para, nas comunidades, a gente
participar de alguma celebração penitencial (individual ou comunitária).
Sobre estas três atitudes – jejum, esmola e oração – os Santos Padres
fazem muitas referências. Recordemos algumas: “O que a oração pede, o
jejum alcança e a misericórdia recebe. Oração, misericórdia, jejum: três
coisas que são uma só e se vivificam reciprocamente” (São Pedro
Crisólogo). “Não tem mérito nenhum negar alimento ao corpo se no coração
não se renuncia à injustiça e se a língua não se abstém da calúnia” (São
Leão Magno). “A esmola só será autêntica se à ajuda material estiver unido
o perdão das ofensas” (Santo Agostinho).
- Podemos expressar nossa vontade de participar
da caminhada sofrida de Jesus (vítima da violência, de ontem e de hoje),
participando de procissões (de ramos, do encontro, do Senhor morto etc.),
Via-Sacras, círculos bíblicos etc.
- Expressamos o “clima” próprio deste tempo
forte da vida da Igreja também através da música e do canto. Há uma música
própria e cantos que caracterizam este tempo, além do hino da CF . O
Hinário 2 da CNBB apresenta também um bom repertório de músicas litúrgicas
quaresmais. Na introdução do Hinário 2 lemos: “Cantar a Quaresma é,
antes de tudo, cantar a dor que se sente pelo pecado do mundo, que, em
todos os tempos e de tantas maneiras, crucifica os filhos de Deus e
prolonga, assim, a Paixão de Cristo. O canto da quaresma nos inspira
e anima a assumir, com mais garra do que nunca, a Cruz de Nosso Senhor
Jesus Cristo. (...) Pela participação em seus sofrimentos, isto é,
‘obedientes ao Pai e comprometidos com os irmãos até o fim’ (cf. Jo 13,1),
‘cheguemos à glória da sua ressurreição’ (cf. Fl 3, 10-11)”. Para
ajudar nesta vivência, é aconselhável também que se evite na Quaresma o
toque de instrumentos musicais. Também não cantamos o “glória” e o
“aleluia”.
3. Lembretes práticos para as
equipes de liturgia e de celebração
- O espaço litúrgico, despojado, sóbrio e
“vazio” nos ajuda a esvaziar o coração para preenchê-lo com a Palavra, que
é luz para nossos passos e que nos converte.
- Momentos de silêncio, principalmente entre as
leituras e após a homilia, são importantes.
- Um sinal permanente no espaço litúrgico, como
um tecido roxo em forma de faixa na mesa da Palavra ou como detalhe na
mesa eucarística (sem “tampar” ou esconder o altar), ajudará na
experiência quaresmal. Não colocar o cartaz da CF em frente ao altar ou
ambão, mas num outro local, de preferência na entrada da igreja, bem
visível para a comunidade.
- A cruz, pela qual fomos marcados no Batismo,
deve ser destacada. Ela lembra que somos discípulos e discípulas de Jesus,
que superou o fracasso humano da cruz com um amor que vence a morte.
- A comunidade pode fazer maior experiência da
misericórdia de Deus através do sacramento da Reconciliação, de
celebrações penitenciais e também de retiros.
4. Semana Santa e Tríduo Pascal:
a conclusão da quaresma
Existe um
jeito, um lugar, um momento muito especial no qual aprenderemos a “viver a
semana santa”. É o que nos aponta o saudoso Papa Paulo VI: “Se há uma liturgia
que deveria encontrar-nos todos juntos, atentos, solícitos e unidos para uma
participação plena, digna, piedosa e amorosa, esta é a liturgia da grande
semana. Por um motivo claro e profundo: o Mistério Pascal, que encontra na
Semana Santa a sua mais alta e comovida celebração, não é simplesmente um
momento do Ano Litúrgico: ele é a fonte de todas as outras celebrações do
próprio Ano Litúrgico, porque todas se referem ao mistério da nossa redenção,
isto é, ao Mistério Pascal”.
“Viver a
semana santa” significa fazermos memória destas ações maravilhosas de Deus.
Mais, saber que estamos “re-vivendo” todos estes fatos. “De geração em geração,
cada um de nós é obrigado a ver-se a si próprio, com os olhos penetrantes da
fé, como tendo ele mesmo estado lá no Calvário, na primeira sexta-feira santa,
e diante do sepulcro vazio, na manhã da ressurreição. Hoje, todos nós, aqui
reunidos para celebrar a eucaristia, estávamos lá, prontos a morrer na morte de
Cristo e a ressuscitar em sua ressurreição. Será exatamente nossa comunhão com
o corpo sacramental do verdadeiro Cordeiro que nos tornará realmente presentes
àquele eterno presente.”
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