No dia 13 de setembro, a Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou uma audiência pública para tratar da “Instalação da Frente Parlamentar em Defesa da Vida, com destaque para o tema no Novo Código Penal Brasileiro”. Na ocasião, o desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Roberto Casemiro Belinati, deu uma palestra onde manifestou sua opinião sobre o tema.
Para o jurista – que além de desembargador é também coordenador-geral do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TJDFT, e professor universitário de Direito Penal – há a necessidade de supressão e correção de normativos que vão de encontro ao direito à vida, no projeto do novo Código Penal brasileiro.
Esse movimento, que tem a defesa da vida como principal objetivo, oportuniza o debate e a mobilização da sociedade do Distrito Federal contra as ações que não visualizam o direito à vida humana como o mais importante. Na ocasião, Roberto Casemiro agradeceu ao convite para participar da audiência pública e também agradeceu à Comissão de Bioética da arquidiocese de Brasília pelo convite para representá-la no evento.
Abaixo, leia a íntegra da explanação do desembargador sobre distintos temas relacionados à reforma do Código Penal.
Aborto
Verifica-se que o Projeto do Novo Código Penal reduz ainda mais as penas já tão reduzidas. O aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento, atualmente punido com detenção de um a três anos, passa a ter pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 125). O terceiro que provoca aborto com o consentimento da gestante, atualmente punido com reclusão de um a quatro anos, passa a sofrer pena de prisão de seis meses a dois anos (art. 126). Se o aborto for provocado sem o consentimento da gestante, o terceiro é punido com prisão, de quatro a dez anos (art. 127). Curiosamente, ele recebe um aumento de pena de um a dois terços se, “em consequência do aborto ou da tentativa de aborto, resultar má formação do feto sobrevivente” (art. 127,§1º). Esse parágrafo parece ter sido incluído para estimular o aborteiro a fazer abortos “bem feitos”, evitando que, por “descuido”, ele deixe a criança com vida e má formada.
As maiores mudanças, porém, estão no artigo 128. Ele deixa de começar por “não se pune o aborto” e passa a começar por “não há crime de aborto”. O que hoje são hipóteses de não aplicação da pena (escusas absolutórias) passa a ser hipóteses de exclusão do crime. E a lista é tremendamente alargada. Basta que haja risco à “saúde” (e não apenas à “vida”) da gestante (inciso I), que haja “violação da dignidade sexual” (inciso II), que a criança sofra anomalia grave, incluindo a anencefalia (inciso III) ou simplesmente que haja vontade da gestante de abortar (inciso IV). Neste último inciso o aborto é livre até a décima segunda semana (três meses). Basta que um médico ou psicólogo ateste que a gestante não tem condições “psicológicas” (!) de arcar com a maternidade.
Razões jurídicas contra o aborto
A proposta pela liberação do aborto, em qualquer caso, não pode prosperar, pois, em primeiro lugar, ofende a Deus, que fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança e os abençoou dizendo: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1,28). E determinou: “Não matarás.” (Êxodo , 20,13).
O aborto é o assassinato de um ser humano, é o homicídio de um ser indefeso e inocente.
O direito à vida é direito fundamental, desde a concepção até a morte natural.
Cada pessoa é um dom valioso de Deus e é única, insubstituível e irrepetível.
O direito à vida é o primeiro entre todos os direitos.
A ciência médica ensina que com doze semanas de gestação o bebê já está bem formado. Todos os sistemas orgânicos funcionam. Ele já respira e urina. O corpinho da criança já está bem evoluído e possui até impressões digitais. Quando sua mãe dorme, o bebê também dorme, mas quando a mãe desce uma escada, ele ouve um ruído forte e acorda. Com doze semanas de gestação, o bebê sente dor e é sensível à luz, ao calor e ao barulho. Eliminá-lo não significa destruir um monte de células sem vida humana, conforme alguns afirmam. Significa sim o assassinato de um ser humano inocente e indefeso.
Não podemos admitir que os grandes matem os pequenos, os fortes eliminem os fracos e os conscientes destruam os inconscientes. Este preceito deve ser observado em qualquer tempo pelas civilizações inteligentes.
A Constituição Federal garante a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida.
Não importa se o nascituro apresenta deficiência física, cerebral, anomalia grave, se vai viver somente por alguns instantes, se vai ser rico ou pobre. Em qualquer circunstância o nascituro tem o direito de nascer e de viver.
O direito à vida é cláusula pétrea, que não pode ser modificada por emenda constitucional, por lei ordinária e muito menos por um código penal.
O aborto, além de ofender a Carta Magna, macula o Código Civil Brasileiro, no seu artigo 2º, que proclama que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
Antes de nascer, o nascituro já é protegido pelo direito civil, e depois de nascer, será sujeito de direitos e deveres.
O aborto desrespeita o Estatuto da Criança e do Adolescente, que alerta que “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida”.
O Estado tem obrigação de oferecer condições para a gestante ter o filho sadio e para que o filho desenvolva-se dignamente. Não tem o direito de oferecer condições para a mãe matar o filho.
O aborto também ofende a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o Pacto de São José da Costa Rica, que o Brasil acolheu, e que diz que “toda pessoa tem o direito de que respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”.
O extermínio de seres inocentes e indefesos também viola a Convenção sobre os Direitos da Criança, que o Brasil adotou da Assembléia Geral das Nações Unidas. Ela preceitua que “toda criança tem o direito inerente à vida.”
Igualmente desrespeita o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que também declara que “o direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido por lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida.”
Ora, defender a vida humana não é questão meramente religiosa, como alguns afirmam. Defender a vida humana é respeitar a Deus, é respeitar o semelhante, é observar o direito brasileiro, o direito internacional, é, acima de tudo, amar.
Além do aspecto jurídico, nenhuma razão social pode justificar a prática do aborto, sendo inaceitável a alegação de que o aborto é necessário para controlar a natalidade, para combater a pobreza, para combater a fome, para combater o desemprego, para melhorar a raça, para solucionar conflito decorrente de infidelidade conjugal, para resolver gravidez não desejada ou para não permitir o nascimento de pessoa com deficiência. Todos esses argumentos são absurdos!
Infeliz ainda é a alegação de que a mulher é dona de seu corpo e deve ter liberdade para decidir sobre a continuidade ou não da gravidez. Ora, a mulher é uma pessoa e o feto é outra. Ela tem o dom sagrado de gerar o filho, mas não tem o direito de matá-lo.
Esse argumento é falso, não é verdadeiro!
Também não é correta a alegação de que a liberação do aborto no Brasil reduziria a taxa de mortalidade materna, diminuiria o número de abortos e proporcionaria grande economia para os cofres públicos. Se na clandestinidade são praticados milhares de abortos, provavelmente mais de um milhão por ano, imagine o que aconteceria após a liberação?
A liberação do aborto só iria favorecer a “indústria do aborto” e seria um prêmio para aqueles que desejam se enriquecer, ganhar muito dinheiro com o assassinato de seres inocentes e indefesos.
Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, paga-se de 100 a 1.200 dólares por um aborto. Imagine uma clínica realizando de 10 a 20 abortos por dia, quanto lucraria com o hediondo crime!
O Congresso Nacional deve tomar o máximo de cuidado para não ser iludido por aqueles que representam os interesses do poder econômico e desejam fazer fortuna com a liberação do aborto.
Eutanásia e ortotanásia
Outro dispositivo que precisa ser excluído do Projeto do Novo Código Penal refere-se à concessão de perdão judicial a quem pratica eutanásia em pessoa da família ou em alguém com quem se mantém estreitos laços de afeição, conforme está expresso no § 1º do artigo 122.
A extinção da punibilidade neste caso poderia estimular a prática da eutanásia, sobretudo para fins egoísticos, para favorecer, por exemplo, a abertura de inventário, para adiantar o pagamento de pensão, o recebimento dos bens do falecido, para fazer cessar o cansaço físico do responsável pelos cuidados do doente, enfim condutas absolutamente inaceitáveis e reprováveis.
Por essa razão não pode o Estado tolerar a eutanásia, pois, em sentido contrário, milhares de doentes correrão o risco de serem assassinados por pessoas da própria família, sob a falsa alegação de compaixão ou piedade.
A pessoa gravemente doente normalmente não tem condições físicas nem psicológicas para decidir sobre o seu próprio destino, daí ser inaceitável a alegação de que o ato foi praticado para atender a seu pedido, para abreviar-lhe o sofrimento.
Deixar de punir com prisão aquele que mata, seja por piedade ou compaixão, é violentar a Constituição Federal brasileira.
Também não pode o Estado deixar de punir com prisão aquele que pratica a ortotanásia, isto é, a ação daquele que deixa de oferecer tratamento ao doente, em estado irreversível, para não prolongar a sua vida, segundo o disposto no § 2º do referido artigo 122.
Ora, ninguém tem o direito de suprimir a vida a não ser Deus.
Infanticídio indígena
Há tribos indígenas que costumam matar recém-nascidos quando estes, por algum motivo, são considerados uma maldição. De acordo com o projeto, tais crianças ficam sem proteção penal, desde que se comprove que o índio agiu “de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo” (art. 36). Isto precisa ser revisto e modificado para não se permitir o extermínio de recém-nascidos indígenas.
Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio
Também é necessária a exclusão dos §§ 1º e 2º do artigo 123 do Projeto do Novo Código Penal, que autorizam a concessão de perdão judicial no caso de eutanásia ou ortotanásia no auxílio a suicídio.
No cenário internacional
Por essas razões, a prática da eutanásia é rejeitada na maioria dos países do mundo, sendo pouquíssimos os que a aceitam, como a Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Na Suíça, por exemplo, admite-se o chamado “suicídio assistido”, que se diferencia da eutanásia porque nesta o agente é responsável pelo procedimento que abrevia a vida do paciente, enquanto naquela o agente apenas fornece os meios necessários para que o paciente tire a própria vida, o que tem gerado inclusive o chamado “turismo da morte”, em que pessoas se deslocam à Suíça para se submeterem a essa prática. Não se pode admitir que aconteça o mesmo no Brasil.
Terrorismo e invasão de terras
O terrorismo é criminalizado (art. 239). Mas as condutas descritas (sequestrar, incendiar, saquear, depredar, explodir...) deixam de constituir crime de terrorismo se “movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios” (art. 239, §7º). Os invasores de terra são favorecidos, uma vez que “a simples inversão da posse do bem não caracteriza, por si só, a consumação do delito” (art. 24, parágrafo único).
Descriminalização do uso de droga
Outra proposta que deve ser excluída do Projeto do Novo Código Penal refere-se à descriminalização do porte ou plantio de drogas para uso próprio, prevista nos §§ 2º, 3º e 4º do artigo 212, assim redigidos:
§ 2º Não há crime se o agente:
I – adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo drogas para consumo pessoal;
II – semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de drogas para consumo pessoal.
§ 3º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, à conduta, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, bem como às circunstâncias sociais e pessoais do agente.
§ 4º Salvo prova em contrário, presume-se a destinação da droga para uso pessoal quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias, conforme definido pela autoridade administrativa de saúde.
A liberação do consumo de drogas traria conseqüências ainda mais nefastas, pois é sabido que a droga aniquila o usuário, faz sofrer a sua família e causa enormes danos e prejuízos a sociedade.
Seria ingênuo pensar que a descriminalização não aumentaria o consumo e o tráfico. Há poucos dias, a imprensa divulgou estatística informando que o Brasil já é o segundo maior consumidor de drogas do mundo. Imagine o que aconteceria se a droga fosse amplamente liberada!
O problema é de saúde pública e de segurança pública, porque o consumo e o tráfico são os maiores responsáveis pelo aumento da violência e da criminalidade.
O Estado tem obrigação de implantar políticas públicas para combater o tráfico e o consumo de substâncias entorpecentes, e jamais criar condições para a sua legalização.
Prostituição infantil
Atualmente comete estupro de vulnerável quem pratica conjunção carnal com menor de 14 anos (art. 217-A, CP). O projeto baixa a idade: só considera vulnerável a pessoa que tenha “até doze anos”. Isso vale para o estupro de vulnerável (art. 186), manipulação ou introdução de objetos em vulnerável (art. 187) e molestamento sexual de vulnerável (art. 188).
Deixa de ser crime manter casa de prostituição (art. 229, CP) ou tirar proveito da prostituição alheia (art. 230, CP). Quanto ao favorecimento da prostituição ou da exploração sexual de vulnerável, a redação é ainda mais assustadora: só será crime se a vítima for “menor de doze anos” (art. 189). Deixa de ser crime, portanto, a exploração sexual de crianças a partir de doze anos. Isto precisa ser modificado.
Disparidade na aplicação das penas
Segundo a linha ideológica do PLS 236/2012, o ser humano vale menos que os animais. A omissão de socorro a uma pessoa (art. 132) é punida com prisão, de um a seis meses, ou multa. A omissão de socorro a um animal (art. 394) é punida com prisão, de um a quatro anos. Conduzir um veículo sem habilitação, pondo em risco a segurança de pessoas (art. 204) é conduta punida com prisão, de um a dois anos. Transportar um animal em condições inadequadas, pondo em risco sua saúde ou integridade física (art. 392), é conduta punida com prisão, de um a quatro anos.
Os ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre não podem ser vendidos, adquiridos, transportados nem guardados, sob pena de prisão, de dois a quatro anos (art. 388, §1º, III). Os embriões humanos, porém, podem ser comercializados, submetidos à engenharia genética ou clonados sem qualquer sanção penal, uma vez que ficam revogados (art. 544) os artigos 24 a 29 de Lei de Biossegurança (Lei 11.101/2005).
Mais um exemplo na disparidade na aplicação das penas: matar ou caçar algum animal silvestre sem permissão da autoridade competente será punido com dois a quatro anos de prisão. A pena poderá chegar a 12 anos se o crime for praticado com exercício de caça profissional, segundo o artigo 388. No entanto, matar um ser humano indefeso ou inocente, no ventre da mãe, pelo aborto, disposto nos artigos 125 e 126, a pena de prisão será de seis meses a dois anos.
Essa disparidade precisa ser corrigida, pois a vida humana é o maior bem que Deus concedeu aos homens e merece maior proteção por parte do Estado, com punições mais severas para aqueles que a ofendem.
A pena legalmente cominada indica a importância que a ordem jurídica atribui ao preceito e ao bem jurídico tutelado, e quanto maior a importância do valor jurídico violado, maior deve ser a pena cominada ao crime.
Pena máxima de 40 anos
Outra parte do Projeto do Novo Código Penal que precisa ser modificada refere-se ao aumento do limite máximo de trinta para quarenta anos de prisão, no caso de unificação da pena, sobrevindo condenação por fato posterior, conforme está expresso no § 2º do artigo 91.
Obrigar o condenado a cumprir até 40 anos de prisão é estabelecer prisão perpétua, é decretar a pena de morte progressiva, em flagrante desrespeito ao direito constitucional da dignidade humana.
Raríssimos presos conseguem suportar no cárcere o limite máximo de 30 anos, previsto na legislação em vigor. Imagine aumentar esse prazo para 40 anos!
Não se está defendo a impunidade daqueles que cometem crimes quando já encarcerados, mas é a oportunidade para reclamar a adoção de políticas públicas mais eficientes que combatam a criminalidade e auxiliem com mais resultados a reeducação dos condenados. A simples majoração das penas tem sido insuficiente para esse fim.
Conclusão
A sociedade brasileira está ansiosa pela reforma do Código Penal Brasileiro, que data de 1940 e está em vigor desde 1942, com inúmeras modificações.
Mas espera uma reforma profunda, bem estudada, bem discutida, sem pressa e sem vaidade.
Aguarda, sobretudo, uma reforma sem aberrações, uma reforma verdadeira, que reconheça o direito à vida humana como o maior dentre todos os demais direitos.
Confiamos que a Frente Parlamentar em Defesa da Vida, instalada neste egrégio Parlamento, estará em permanente vigília, com o apoio da sociedade do Distrito Federal, para defender o respeito e a preservação da vida humana.
Que Deus abençoe a todos!
Muito Obrigado.
Desembargador Roberval Casemiro Belinati
Nenhum comentário:
Postar um comentário